sábado, 12 de março de 2016

Desvende a si mesmo

   Hoje participei de uma palestra muito interessante e dela resolvi contar uma história que não é minha, não é do palestrante. É uma daquelas histórias que rodam, mudam e continuam a mesma. Mas vale a pena “ver de novo”! Vou tentar ser fiel ao conteúdo mas vou contar do meu jeito.

   Telma fora pega de surpresa. Não estava preparada para aquilo, mas tinha que viajar, não havia escapatória. Fora tudo providenciado, e o voo saia às onze horas.

   Nove horas saiu de casa e entrou num táxi que lhe esperara por quase dez minutos. Sexta-feira, véspera de carnaval, ela voltaria no sábado, mas aquela viagem estava sendo um transtorno. Todos os planos e projetos familiares tiveram que se adequar à exigência profissional que arrancava Telma do Rio de Janeiro.

   Telma não tinha medo de voar nem era religiosa, mas para prevenir assim que embarcou no táxi iniciou suas orações, aquelas que aprendera com a mãe na infância.
A mãe ensinara a ela quase tudo. Ela hoje, psicóloga, responsável pelos Recursos Humanos de uma multinacional, aprendera a conhecer as pessoas muito cedo e isso talvez fosse a causa do grande sucesso de sua carreira.

   Telma não imaginara que rezaria tanto. O trânsito estava totalmente parado. Ela estava indo de Ipanema para o Galeão. O aeroporto internacional ficava a meia hora de viagem com o trânsito bom. Com engarrafamentos chegava ao dobro – uma hora de viagem de carro, mas ela só conseguiu chegar a via expressa chamada de Linha Vermelha depois das dez e meia e aflita rezava mais e mais.

   Faltavam menos de dez minutos para a decolagem quando ela entrou exacerbada no aeroporto para fazer o check-in. A notícia de que o seu voo estava atrasado ao invés de confortá-la a fez explodir por dentro. 

   Profissionalmente manteve seu sorriso inexpressivo enquanto ouvia a atendente lhe informar que o seu avião partiria em quarenta minutos.

   Estava irrequieta, já despachara a mala, estava apenas com sua bolsa e percebeu que caminhava de um lado para outro lamentando-se inutilmente. Recuperou a razão e a calma, respirou fundo, ia chegar atrasada na reunião, isso era irremediável. Tinha que se conformar e se preparar para ter uma performance ainda melhor já que o início ia ser dificultoso.

   Olhou ao redor, nada para fazer. Seguiu para outro andar e conseguiu comprar uma revista qualquer para passar o tempo e um pacote de biscoitos de polvilho ficando feliz por encontrá-lo.

   Colocou tudo na bolsa, foi para área de embarque, sentou e colocou a bolsa na cadeira vaga, no que foi imitada pelo rapaz que sentara próximo dela. Pegou a revista, começou a folhear e lembrando do biscoito abriu o pacote retirando um biscoito que passou a roer lentamente. Ele tinha que durar até a hora de entrar no avião.

   Quando foi pegar o segundo biscoito percebe que o rapaz comia um de seus biscoitos. Pegara sem dizer uma palavra. Um abusado!

   Ela, uma profissional competente e de destaque não ia fazer um “barraco” como a Lúcia, sua secretária faria numa situação como essa. Pegou outro biscoito e pela visão periférica observou melhor o rapaz abusado.

   Bermuda, cabelos despenteados, camiseta que expunhas seus músculos, certamente um filhinho de papai muito mal educado. O abuso dele era desmedido. Estava pegando, como ela, um segundo biscoito.

   Ela se remoía por dentro, mas por fora manteve-se serena e continuou como se nada estivesse acontecendo. Aquele rapaz estava conseguindo por à prova sua paciência, resistência e sangue frio. A vontade era esmagar aquele, aquele... abusado.

   Ela pensava, mastigava e o saco ia sumindo. No fundo do saco havia apenas um biscoito e o boyzinho pegou o derradeiro biscoito, quebrou ao meio e colocou a metade dentro do pacote. Foi a gota d´água, ela ia explodir mas por sorte os autofalantes anunciavam o embarque e ela pegou sua revista, sua bolsa e seguiu seu caminho remoendo seus piores pensamentos.


   Conferiu o assento, abriu a bolsa para guardar a revista e descobriu, fechado dentro dela, o pacote de biscoito que comprara.

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