Em pleno meio-dia de uma sexta-feira me vi seguida por um
homem de touca ninja listrada de vermelho e azul. Vestia calça jeans, camisa do
flamengo e ainda óculos escuros. Era a figura mais notada apesar do movimento
dos alunos que, como eu, saíam da escola.
Ele me seguia, mas o horário, o ambiente favorável e a
espalhafatosa combinação de trajes não me permitiram temê-lo e logo ele se
juntava a mim e buscava, com uma voz forçada e rouca, puxar assunto comigo.
- Sozinha na saída da escola? Cadê seu namorado? Uma menina
maravilhosa como você de ter muitos namorados!
O tema e a forma de abordagem aguçaram ainda mais minha
curiosidade sobre aquela inusitada figura e resolvi dar "trela".
- Se você está querendo saber, tenho namorado sim. Um só,
tolo e muito infantil, mas só tenho um.
A voz rouca ficou um pouco mais aguda.
- Tolo? Infantil? Se seu namorado é tolo e infantil porque
você não troca ele por mim?
- Para falar a verdade só hoje percebi que poderia ser ainda
pior. Assim que lhe vi, apesar de não saber sua idade, não consegui deixar de
comparar você com ele, afinal ele tem mais ou menos a mesma altura e porte
físico que você, mas acredite, ele consegue ser um pouco mais maduro, pelo
menos eu acho.
- Se estou entendendo bem você considera seu namorado tolo e
infantil porque você sai com outros caras e ele nem percebe.
- Você está pensando que tem alguma chance de eu trair meu
namorado com você pode "tirar o cavalinho da chuva". Tolo por tolo
fico com o meu tolinho que me parece mais inteligente que você.
- Não estou falando de mim e sim dos outros
"carinhas" da escola. Tem colega sua que te chama de
"cachorra" e se você fosse fiel ao namorado tolinho não haveria
motivo para isso.
Nesse instante me calei. O alerta que havia se ligado logo a
princípio, com essas últimas frases, entrou em seu estágio máximo ainda mais
quando o personagem exótico completou.
- Viu só? Eu não sou adivinho, mas acertei em cheio! Seu
tolinho vive cheio de "chifrinhos"!
- Para falar a verdade não, eu, por gostar dele, nem chego a
permitir nenhuma tentativa desta espécie. Você mesmo está tentando sem
encontrar qualquer oportunidade. Algumas colegas tratam todas as meninas de “cachorra”,
“safada”, pura falta de vocabulário. Mas...
- Sempre tem um "mas". Mas, o quê?
- Tenho percebido que esse meu gostar é unilateral. Confio
nele cegamente. Mesmo quando ele falta a algum de nossos encontros aguardo sua
justificativa e não questiono exceto quando ele falta para jogar bola ou
cartas, acho que eu valho mais que isso.
- Ele é mesmo um tolo. Deixar de estar com você para jogar
qualquer coisa é uma grande tolice.
Eu tinha que confirmar minhas suspeitas e mudei o rumo
daquela conversa.
- Apesar de gostar dele detesto seu ciúme. Isso para mim é
falta de confiança e acaba que esse procedimento me leva a compará-lo com
alguns colegas e ele sai sempre perdendo.
- Como assim ele sai perdendo?
A voz rouca desta vez saiu precipitada e um tanto quanto
trêmula. O que isso poderia significar?
Marcio, um colega da minha sala, talvez por causa de meu
espalhafatoso acompanhante, andava lentamente mantendo o mesmo ritmo meu. E ele
anda sempre tão apressado. Resolvi usá-lo.
- O Marcio, por exemplo – falei apontando para ele. É um
rapaz másculo, alto, forte, cheiroso, insinuante, inteligente - eu falava e
procurava mais adjetivos para personalizar no Márcio - carinhoso, afetivo - eu
falava mais devagar para poder pensar - responsável, romântico...
Eu estava ficando preocupada. Márcio diminuíra o passo e
certamente o fez para ouvir melhor os elogios que eu tecia sobre ele. O que é
pior, eu estava me dando conta que não estava mentindo e que aquele carinha
tinha tudo que qualquer mulher poderia desejar de um namorado e naquele momento
ele passou a me atrair.
Um mascarado raivoso me interrompeu.
- Se ele é assim tão maravilhoso porque você não namora ele
ao invés de um cara - falou então desdenhando e frisando as palavras - tão
tolinho?
Não restavam mais dúvidas. Era hora do ultimato.
- Porque eu acreditava que meu namorado um dia iria
perceber-se amado e desejado por mim. E mais, iria reconhecer que era
respeitado. Parece que ele nunca vai descobrir que o ciumento um dia terá que
optar entre a pessoa que ama e o seu ciúme. Que é impossível manter os dois
juntos.
- Como você pode dizer que ama e respeita um cara e elogiar
tanto assim outro?
- Porque meu amor por ele não tem o poder de me fazer cega
nem de remover as qualidades dos outros homens do mundo. E, o que é pior, meu
amor não foi capaz de fazê-lo confiar mais em si mesmo e não consegue tirar
dele uma insegurança tamanha que faz ele, vascaíno doente, negar seu próprio
time para me vigiar.
- Como assim - a voz rouca mais uma vez se alterou - ele te
vigia?
- Acredito que sim, e fazendo isso se coloca ainda mais
inseguro, mais tolo, mais infantil, mais ciumento do que eu imaginei ser
possível!
- Você está enganada. O Ari te adora, confia em você, se
mostra infantil para brincar consigo, é tolo para fazer você rir e não tem ciúme
nenhum de você.
- Espero que você esteja certo.
E mudando de voz chamei pedindo:
- Marcio! Leve-me para casa que esse mascarado está me
seguindo e forçando assunto comigo e estou me sentindo insegura ao lado dele!
Marcio impôs sua masculinidade, se colocou entre eu e o
gaiato fantasiado, em pleno meio-dia, de uma sexta-feira, próximo a minha
escola. O mascarado "titubeou". Sua indecisão o manteve inerte e como
ele não se afastava Marcio me abraçou com segurança pelos ombros, me afastou
dele e três passos depois deixou o braço, num carinho, escorregar para minha
cintura levando-me automaticamente a também abraçar sua cintura.
Uma voz reveladora chama meu nome:
- Ana, sou eu, Ari. Sabia que você me traia e quis ter a certeza.
Agora não tem como negar!
Aquelas palavras interromperam meus passos e fez com que eu
e Marcio, ao mesmo tempo, nos voltássemos na direção do mascarado. Lá estava
Ari desmascarado pela terceira ou quarta vez durante toda aquela cena. Sem
qualquer dor ou remorso sorri para ele e decretei:
- Você preferiu seu ciúme, fique com ele!
Ainda com o sorriso nos lábios, como louca, num impulso, me
aventurei: abracei Marcio pelo pescoço e me joguei em seus lábios que me
receberam ardorosamente (ainda bem!) num beijo espetacularmente delicioso para
mim e também espetacular para o Ari e para quem por ele fora atraído para os
acontecimentos que se desenrolavam. Fomos até aplaudidos!
Mais um ciumento preferiu a solidão de seu ciúme a maravilha
de um amor repleto de segurança, confiança e respeito. E eu descobri que nem
sempre quem troca instantaneamente de namorado o faz por ser volúvel, às vezes
é por ser racional e encontrar uma brecha emocional!
O melhor companheiro para se amar às vezes está tão perto
que nem percebemos.
Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias
borges.rj@outlook.com
Coitados dos ciumentos... Pelo que entendi ou eles perdem os ciúmes ou perdem seus amores...
ResponderExcluirSerá que é assim mesmo?