segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Sequestro da Vovó



A cada passo aumentava minha curio­sidade. Nunca vira tantas viaturas policiais juntas.
Eram viaturas de polícias diversificadas: Militar, Civil, Federal e até Bombeiros inclusive com ambulâncias.
Meu bairro estava... Digamos "aceso" e para me deixar ainda mais encafifado meus amigos murmuravam uns com os outros ao me verem pas­sar sem que nenhum tentasse qualquer forma de contato.
A minha casa é a segunda da rua e em frente a ela havia uma grande clareira sem ninguém.
Eram tantos policiais que na verdade a grande maio­ria apenas estava ali, nada tinham para fazer e, em grupos, atua­lizavam seus assuntos e riam de suas próprias besteiradas.
Fingi que não estava entendendo nada, peguei minhas chaves e me apro­ximei do portão com a nítida intenção de entrar.
Ouvi, de imediato, gritos diversos:
– Pare!
– Pro chão!
– Parado!
– Não se mova!
E até um comando militar:
- Alto!
Foi o tempo de me virar para meus diversos interlocutores, dar um passo para o lado, para provocar o choque de dois homens que pulavam contra meu corpo a fim de estancar os meus atos.
Palavra que fiquei constrangido, não com todo aquele inusitado quadro, mas pelas gargalhadas que se propagavam até universalizar-se, enquanto os homens irritados se levan­tavam com muita raiva.
Temi as conseqüências daquele episódio e me apressei, por conta disso, em me desculpar e tentar me atua­lizar sobre a situação.
Não recebi resposta a nenhum dos meus questionamentos. Apenas uma chuva de perguntas. Cercaram-me e eu tentava responder a cada um olhando-os nos olhos para que identificassem quem estava recebendo a resposta, evitando maiores confusões.
Melhor reproduzir apenas as minhas respostas. Acho que vai ser mais fácil para todos entenderem:
- Só eu e minha avó. Minha irmã está viajando até o mês que vem.
- Sim, minha avó está em casa, quase nunca sai porque o mundo, segundo ela, está muito violento.
- Quase 90 anos, mas está lúcida, consciente e consegue se locomover com desenvoltura.
- Só sai bem cedo, pela manhã, para fazer ginásticas ali na praça.
- Arma? Nenhum de nós sabe atirar, de que serviria?
- Claro que tem facas. Na cozinha!
- Grades? Sim, em todas as janelas, semelhantes as que estão visíveis, e a dos fundos é pantográfica para facilitar saídas em caso de emergência.
- A chave... A chave fica em um prego na lateral da moldura da janela voltada para o lado de dentro. De fora só consegue acessar quem sabe onde ela está.
- Não, as portas só ficam fechadas à noite quando todos já estão em casa e não mais vão sair.
- Tereza, mas podem chamá-la de Terezinha ou Tetê.
- Os familiares, e são muitos, mas normalmente só aos finais de semana.
- Hoje a probabilidade de ter alguém com ela é mínima. Mesmo a vizinha que mais freqüenta nossa casa está ali em seu portão e pelo jeito desesperada.
- Ela não vai reagir.
- Porque ela veio da roça e não tem maldades. Nessa hora deve estar servindo um de seus docinhos porque o bandido “está cansado e muito fraquinho”.
- Como? Traficante perigoso? Com metralhadora e pistola além de tóxicos? Coitada! O que posso fazer para ajudar?
- Como assim nada! Quem melhor conhece a casa sou eu, quem está lá dentro é minha avó e eu não vou ficar...
Foi neste instante que fui interrompido por altos gritos vindos da casa. A voz de minha avó estava estranha e distorcida como se ela estivesse amordaçada.
Sem que ninguém esperasse lanço-me pulando o baixo muro com facilidade e um grande grupo de policiais me segue na tentativa de me conter.
Desesperado e escapando de todos eles abro a porta e não consigo entrar porque um paulista branquelo, de mais de 1,80m, tipo armário, me empurra de dentro para fora e sai pulando e gritando por socorro com a boca cheia de bolo com um creme branco. Joga-se no chão e, babando muito, se entrega aos policiais que o cercam para detê-lo e também protegê-lo da minha avó.
Difícil mesmo foi conter minha avozi­nha, de quase 90 anos, empunhando um bastão de beisebol.
Ela queria, porque queria, continuar batendo no paulistão escandaloso.
- Canalha! Ingrato! Safado! Cafajeste! Como meu bolo te fez lembrar o exército! Saí da minha casa e não volte mais.
Os policiais saiam rindo da casa. Encontraram as armas e tóxicos espalhados entre doces, bolo e muitos cacos de vidro.
O traficante estava descalço (certamente por exigência da minha avó), com os pés cortados pelos cacos, cabeça sangrando muito e minha avozinha ainda fugia da contenção dos policiais querendo bater mais e mais no gaiato que falara mal do seu bolo servido com tanto carinho.
Só fui entender melhor quando vi minha espuma de barba na mão de um policial. Provavelmente usara aquilo como creme chantilly.
Coitado do traficante... Mas saibam, os bolos de minha avó são maravilhosos e ai de quem discor­dar de mim!

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com

BEIJO ROUBADO



Marina estava indócil. Detestava esperar, mas levar bolo de namorado era motivo de guerra! Vinte minutos e nada.
Sua mente divagava nos mais diversos porquês. Primeiro fora assomada por um certo desespero e só pensava em acidentes, bombeiros, hospitais... O ciúme acabou falando mais alto e em segundos ela conseguiu fantasiar um sem número de mulheres cada vez mais lindas no lugar dela.
Riu de si mesma ao ver que já estava esperando por mais de 30 minutos e atribuía a Renato uma capacidade de conquista inusitada. Ele tinha sorte dela estar apaixonada e ter conquistado ele. Renato é do tipo que não conquista ninguém.
Tem 1,60 m – muito baixo para um homem. Usa óculos, a voz nem chega a ser grossa. Nem é peludo, nem sem pelos e esse meio termo faz dele uma figura engraçada quando de short na praia. Mesmo porque seus músculos não sobressaem aos seus ossos – o cara é baixo e magrinho e ainda está ficando calvo aos 23 anos. Sua cabeleira não chega aos 30.
É claro que não foi por isso “tudo” que ela se apaixonou. Romântico acanhado. Homem à moda antiga. Cavaleiro nos mínimos detalhes. Repara as nunces das pequenas mudanças de Marina. Sempre pronto e disponível. Ela estava ali há 45 minutos porque sem qualquer reclamação ele esperava ela se arrumar horas a fio e ela sempre via um sincero encantamento quando ele avaliava o resultado.
Mas estava passando do aceitável e racional. Ela tinha, mesmo sem querer e preocupada, tinha que ir embora. Não podia se rebaixar tanto.
Ela desiste, desce a rua e, para sua surpresa lá está Renato, um buquê de flores do campo na mão. Enquanto ela se aproximava ele olhou o relógio umas três vezes. Estava de terno. Ela conseguiu ver em sua mão um anel com um diamante solitário enorme e brilhante numa caixa aveludada vermelha rubra.
Lembrou, quando já estava a um passo dele, do encontro marcado e ela é quem estava na esquina errada. Coitado! Mas ela não podia perder a pose, assumir um atraso que não teve e nem assumir a sua burrice, Já chegou com pedras na mão.
Ria consigo mesmo: “A melhor defesa é o ataque!”
- Seu canalha! Você está esperando por quem aqui todo bonitinho e com flores na mão? 
- Marca comigo, me deixa plantada lá em cima só para ter certeza que eu não estaria aqui e que não o pegaria me traído. 
- Na certa está pensando que eu sou trouxa ou idiota!
- Quem é ela? Quem é ela – pode ir logo dizendo!
Ele deu seu melhor sorriso amarelo. Sempre foi um simpático brincalhão, mas foi brincar na hora errada.
- Você não conhece não!
- Acho que nunca conheci ninguém mais bela, carinhosa e...
- Faltam-me palavras para falar dela para você. Se você esperar alguns poucos segundos verá ela chegando, com um sorriso de desejo, com lábios gulosos e uma desculpa esfarrapada para seu atraso, tipo: errei o lugar. No olhar um pedido de desculpa irrecusável.
- Talvez, na verdade, você a conheça até demais, deve conhecê-la melhor do que eu mesmo, que sou apaixonado por ela. O nome dela é...
O tapa estalou alto e chamou muita atenção de quem passava. Suas lágrimas, apesar de todo seu esforço, rolavam pela face e ela não conseguiu conter o pranto.
Ele tentou beijá-la. Ela relutou, se esquivou, mas ele mais forte venceu e ela se viu cedendo àquele beijo que ela sabia de despedida. Um último beijo roubado.
Acabado o beijo ele olhou profundamente em seus olhos ia falar alguma coisa e outro tapa lhe interrompeu e ela fugiu e conseguiu entrar imediatamente no primeiro taxi que passava. Gaguejava ao dar o destino ao motorista – ainda em pranto.
Viu a mãe na porta de casa. Pagou o taxi e quando saiu do carro ouviu um coro de Parabéns!
Lá estavam seus pais, seus irmãos, tios e primos, os pais dele e toda sua família. Todos já comemoravam a festa de noivado.
Já fazia uma hora que ela estava esperando por ele sentada no meio fio na frente de sua casa...
Mas ele até agora não chegou!

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com