quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Eles não têm juízo!


- Quando estou calado, com olhar perdido no tempo e no espaço, não adianta falar comigo antes de me chamar. Você já me conhece bem e isso não é novidade para você. Por que então está me questionando? Quer conhecer, ler, adivinhar meu pensamento?
- Não é isso! Não mude os fatos! Estávamos conversando. Você se calou. Esperei qualquer manifestação sua. Já havia passado mais de cinco minutos de silêncio. Estava claro que você estava era querendo fugir do assunto.
- Fugir de quê?
- Da notícia que lhe dei. Mas repito. Você vai ser pai!
- Ah! Isso? Isso eu sei. Eu vou ser pai, todo homem um dia vai ser. Você é mulher e um dia também vai ser mãe. Espero, sinceramente que você esteja preparada quando isso acontecer.
- Então vamos ter que estar pronto, nós dois, em menos de oito meses. Nosso filho, nas minhas contas, nasce em janeiro.
- Como? Você é louca? Eu sei que já namoramos há mais de três anos mas acabei de fazer dezoito anos e ainda nem consegui emprego e você, se tiver um neném em janeiro, ainda não vai ter nem dezesseis, seu aniversário é em fevereiro.
- Você é idiota ou o que? Vai continuar fugindo? Fazemos sexo desde meu aniversário de quinze anos e você nunca quis usar camisinha sempre alegando que só transava comigo e não tinha risco de pegarmos qualquer doença. E não pegamos mesmo. Pegamos uma gravidez. Estou grávida. O neném nasce em janeiro, você entendeu agora?
- Você vai ser mãe?
- Ora vivas, você entendeu finalmente!
- E quem é o pai? Seus pais já sabem?
- Você endoideceu? “Tá piripaqueando” ou querendo fugir da paternidade?
- Esse filho é meu? Mas não pode ser meu! Não estou pronto! Não estou preparado! Eu não vou saber ser pai. Quem vai me ensinar? O que eu devo fazer?
- Primeiro, ao invés de só pensar em você, provar que me ama e me apoiar nessa hora, estou com medo, muito medo!
- Medo? Medo! Medo de que?
- Medo da reação dos meus pais. Das mudanças que minha vida vai sofrer. Medo do parto. O neném já está aqui dentro, não tem mais jeito. Ele vai crescer dentro de mim. Vou ficar gorda, enorme, feia - até ai tudo bem! Mas depois! E depois? Ele vai ter que sair, vai ter que nascer!
- Você já viu o tamanho da cabeça, do corpo de um neném? Você lembra o tamanho do meu corpo, do meu sexo? Como aquilo tudo vai sair de um buraquinho tão pequenininho?
- Nem pensa nisso... Não, não, isso não vai acontecer nem com você nem comigo.
- Com você não vai mesmo, o neném está na minha barriga e não na sua! E... Se fosse na sua ia ter que sair pelo, pelo...

Ela acaba rindo, e cada vez mais se entusiasma com seu riso, gargalha francamente e cada vez mais forte e mais solta até que desaba num pranto que vinha contento desde que leu o resultado do exame de gravidez.
A realidade se impõe inexorável. Tudo acabou, tudo começa, tudo é novo, tudo é caos, nada tem sentido, nada faz sentido, nada permite planos, planejamentos, visão de futuro. Nem o próximo segundo pode ser definido por eles que juntos, abraçados, riram e agora choram.
Finalmente ele caiu em si e aceitou a realidade nua e crua que se impunha para ambos.
Os dois chorando e ele finalmente rompe o silêncio.

- Eu te amo. Amo muito e... E esse... E o neném é o fruto desse nosso amor!
Breve silêncio, e ele continua:
- Não queria ver você envolvida neste sacrifício, nas dores que vai sentir, nas mudanças hormonais e corporais que vão acontecer nos próximos meses, mas já estava querendo estar casado com você. Vai ser ótimo ver a carinha do nosso filhinho. Ou será filhinha? Vamos ter que escolher um nome!

As palavras dele caem como um bálsamo no espírito dela e a envolve no mesmo estado de euforia. A sensação da notícia agora contrastando com tudo que sentira até aquele momento. Estavam conscientizando-se do milagre da procriação, da preservação da espécie.
Ambos fixam o olhar na barriga de sempre, sem qualquer alteração, mas que acariciam juntos e recomeçam o diálogo num outro tom mais romântico. Eram cúmplices, comparsas, parceiros, confidentes, amantes e só disso lembravam agora com a coroação daquele lindo amor.
- Eu gostaria muito que fosse uma menininha. Ela ficam lindas, podem ser totalmente enfeitadas. Menino é só short e camisinha, um tênis, talvez um chapeuzinho... Nada de fitas, enfeites, penduricalhos, acessórios, penteados. Mas mesmo adorando a idéia de ser uma menina seria ótimo ter um menininho, uma miniatura sua. Nem sei o que desejar!
- Agora não adianta mais. Já está feito e isso já está decidido, você sabe. Estou recordando em alta velocidade todas as aulas que tive sobre o tema e, aqui pra nós, elas não ensinaram absolutamente nada sobre o que estou sentindo agora, nem para a tarefa e responsabilidades que me esperam. Como vou educar um neném se ainda estou sendo educado, criado... Também estou com medo.

Passa um amigo seu. Vê os dois sentados lado a lado, com um resultado de teste de gravidez preso sobre a bolsa. Nota que ambos acariciam a barriga dela. Ele adivinha a "fertilização". Aproxima-se. Dá um desleixado parabéns a você e ao seu amor. E se afasta falando para si mesmo...

- São loucos... Como eles foram deixar isso acontecer? Agora vão passar momentos terríveis junto às famílias dos dois. Talvez, como se gostam, casem.
- Morarão juntos. Em pouco tempo se sentirão presos, escravos do casamento, do filho. Vai faltar grana e logo, logo, separam-se.

Continua ele falando sozinho pela rua como se louco fosse:
- Certamente a criação do neném vai ficar por conta dos pais dela e ele vai assumir uma pensão que vai achar pesadíssima e que não vai dar nem para fraldas e roupinhas. O resto vai ficar nas costas dos pais dela. São loucos...

Ele, como você também pensava, pensa que isso só acontece com os outros, mas vai ser o próximo!


Um comentário:

  1. Hoje nada justifica uma gravidez precoce e como homem conclamo aos meus pares para partilhar essa responsabilidade com as meninas que sofrem mais duramente as consequência de nossos deslises.

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