quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A inesperada queda de um ídolo


Serginho fez amizade rápida com Abdul, filho de um funcionário de seu pai, afinal a diferença de idade não chegava há um ano. Isso seria fundamental, pois estavam viajando e Abdul sabia falar um pouco da língua daquele pessoal do Golfo Pérsico.
Estavam em um hotel impressionante, enorme, lindo, muito bem equipado com salão de jogos, quadras, piscinas. Mas Abdul fizera amizade com Sadan e explorar aquele país soava para eles como uma grande aventura.
Vestiram-se como as crianças nativas para não chamar a atenção e verem suas aventuras interrompidas e logo depois do almoço foram encontrar com o novo amigo. Iriam assistir ao jogo do Barcelona e depois jogariam bola com os amigos de Sadan.
Quanto mais se conheciam mais Serginho invejava o amigo que tinha e fazia tudo que queria.
Sadan usava uma camisa e um short do Barcelona, e uma chuteira. Seu tio lhe dera de presente há alguns dias. E, durante o jogo, conversavam sempre com a intermediação de Abdul que era a importância em pessoa. Afinal ele era nosso tradutor e intérprete oficial. Sandan tinha só que falar um pouco mais devagar.
- Você vai jogar bola com essa roupa? Não tem medo que estrague?
Sadan rindo responde:
- É a única que eu tenho para jogar bola. Não vou usar nem minha roupa de sair nem a de trabalhar - falou rindo e cheio de pose o menino uniformizado como um jogador do Barcelona.
- Mas você já foi à aula hoje? - era Abdul expondo toda sua curiosidade.
- Escola nada. Eu já trabalho, ganho mais dinheiro que muito adulto. Estudar para quê. Quero é ter meu próprio negócio como meu tio. - responde Sadan.
- Meu pai também tem uma empresa - interrompeu Serginho, achando graça do som de sua fala traduzida por Abdul - Logo eu também vou a ter a minha e também vou parar de estudar. É muito chato.
- Você trabalha para o seu tio?
- Que nada. Eu trabalho com o meu tio, mas por conta própria. Ele é um dos meus melhores compradores, mas só trabalha com reciclagem de metais e não compra os demais produtos recicláveis.
Abdul estava espantado, aquele menino um pouco mais velho que eles já trabalhava, por conta própria, no ramo da reciclagem preservando o meio ambiente, mas percebeu que não saberia falar a palavra "ambiente" e nem sabia se meio ambiente naquela região significava a mesma coisa que aqui no Brasil. Sendo assim preferiu ficar calado.
A sala onde estavam devia ter mais de 20 crianças e alguns adultos e quando o Barcelona fez seu primeiro gol a comemoração foi ensurdecedora. Sadan já até mostrava o que sabia fazer com uma bola - como jogava bem! - fazia embaixadas jogando a bola para trás e para frente usando a cabeça, calcanhares, pés, joelhos e peito.
No intervalo a conversa continuou:
- Seus pais brigam muito com você, Sadan?
- Que nada. Meu pai já morreu e eu sou o homem da casa, sustento minha mãe e meus irmãos e ela me respeita e não briga comigo por nada desse mundo.
- Então - completou Serginho com tradução simultânea de Abdul - é por isso que você é assim magrinho.
- Magrinho, eu!? Magrinho nada, eu já uso até as roupas que eram do meu pai. Agora vocês sim, são bem gordinhos. São até barrigudos.
O comentário de Sadan não agradou, eles insistiam em dizer que não eram gordos, eram musculosos, e o debate ia acabou em queda de braços para ver quem era mais forte. Para a sorte dos estrangeiros o jogo recomeçou. O "magrinho" era forte de doer, ganhou Serginho uma vez, duas vezes Abdul e se o jogo não começa ia ganhar dos dois de enfiada.
- O Barcelona ganhou por 2 X 0 e o segundo gol foi no final do jogo deixando a garotada atiçada. Mas não houve qualquer conflito entre os três amigos. Jogaram pelo mesmo time, ganharam de 5 X 2 e Sadan era, sem dúvida, o melhor jogador em campo.
Estava tarde, os meninos se despediram e Sadan ensinou a eles a chegar onde trabalhava. Ficava a quatro quarteirões dali, no fim de uma rua. Marcaram de se encontrar na hora do almoço. Sadan iria almoçar com eles no hotel.
A aventura havia sido um sucesso e ninguém nem desconfiara. Sadan passou a ser o ídolo dos amigos. Já trabalhava por conta própria. Tinha seu próprio negócio de reciclagem, ninguém brigava ou mandava nele, e nada, nada de escola!
Na tarde seguinte uma confusão na portaria do hotel chamou a atenção dos meninos que correndo de curiosidade foram ver o que acontecia.
Sadan, todo sujo, brigava com o porteiro que não queria deixar um mendigo entrar no hotel. A intervenção de Abdul deixou o porteiro perplexo. Serginho se manteve em apoio ao amigo, mas calado. Não entendia uma única palavra de toda aquela discussão.
De repente Serginho teve uma idéia brilhante. Correu ao seu quarto, fez questão de pegar uma de suas melhores roupas, emprestou ao Sadan que saiu e em meia hora voltou todo arrumado e de banho tomado sendo admitido para almoçar no hotel muito a contragosto de todos que ali trabalhavam.
Almoçaram, riram, brincaram por toda parte e já quase no final do dia, com Serginho quebrando a relutância e fazendo questão que o importante amigo aceitasse sua roupa como um presente, resolveram ir conhecer o trabalho de Sadan.
Desceram as quatro quadras, entraram na rua longa e curva e logo estavam diante de um lixão onde uma fila de caminhões despejava lixo doméstico, industrial, hospitalar e até sanitário.
Sadan trocou de roupa, colocou o único item ainda bom para uso, que era sua bota, bem maior do que seu pé, e orgulhoso foi mostrar aos amigos como era seu trabalho enfiando-se no meio do lixo e dali recolhendo todo tipo de material vendável.
O ídolo foi por terra sem perceber. Ele estava feliz mostrando aos amigos como era trabalhador, como se virava sozinho, como conseguia uns US$ 5,00 por dia para não deixar sua mãe e seus 5 irmãos passarem fome apesar de viverem na miséria. Para economizar ele só ia para casa na noite de sexta-feira e domingo bem cedo já estava de volta porque o lixo dos domingos são mais fatos.
Só então souberam que seu nome era homenagem ao ditador que conseguira colocar na miséria um povo rico em petróleo. Ele estava no Iraque, país que historicamente passou por muitas guerras desde a antiguidade e até nesse nosso novo século!

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com

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