sábado, 3 de setembro de 2011

Professor é professor!


Foi o maior alvoroço por toda sala, trabalho em grupo era sempre chato, mas comum. Agora a professora montar os grupos! Isso era demais! A ansiedade tomava conta de todos.
No burburinho o que mais se ouvia eram comentários de que com fulano, com beltrano ou, com sicrano[1] “eu não”... Raros eram os “eu quero você comigo”, “vai ser bom ficarmos juntos”, - imperava o negativo e suas causas, digam-se de passagem, todas medíocres.
Professor é professor e “tia” Glória, apaixonada por História do Brasil, queria mais do que fazer seus alunos se apaixonarem pelos fatos de nossa terra, queria ensiná-los a trabalhar em equipe quaisquer que fossem as circunstâncias.
O tema já fora escolhido: A Viagem de Cabral e ela dera um mês de prazo, mas queria todos os detalhes, desde o planejamento até a volta à Portugal.
Ela devia estar como diziam na época dela “com as cachorras” – hoje o significado seria diferente, pois o funk introduziu cachorra como um pejorativo inaceitável para as meninas que freqüentam seus bailes – já que além de determinar os grupos queria um resumo dos avanços dos grupos em relatório todas as sextas-feiras.
Os alunos quase enlouqueceram:
- Relatórios?!?!?!?!
A forma descompassada que eles fizeram uma mesma pergunta fazia lembrar um longo “super eco” repetido inúmeras vezes.
Paciente, como sempre, a professora passou a explicar, enquanto escrevia no quadro, como desejava o trabalho ainda antes de relacionar os 5 grupos de 6 pessoas cada.
1ª Semana: Relatório de planejamento com distribuição de tarefas
E explicou que o grupo de seis pessoas discutiria e decidiria quem iria fazer o que no trabalho.
Quem gosta de pesquisar livros e ir a biblioteca ficava com a pesquisa bibliográfica e faria as fichas dos livros que continham o assunto e suas recomendações;
Quem gosta de pesquisa virtual faria um levantamento na internet sobre o tema, debates e controvérsias existentes entre historiadores, imagens e ilustrações e faria ficha dos sites mais importantes e suas recomendações;
Quem gosta de apresentar e falar sobre o trabalho planejaria os métodos a serem utilizados para sua apresentação descrevendo-os em fichas com a metodologia e suas observações.
As três fichas deveriam ser entregues na primeira sexta-feira.
2ª Semana: Relatório contendo cópia e impressão de todo o tema já lido e pesquisado e a organização planejada para sua apresentação
3ª Semana: Entrega do trabalho semi-pronto para orientações e correções na forma mais simples possível. Cada grupo faria com a professora uma reunião de no máximo 10 minutos e já com a pauta de discussão definida.
4ª e 5ª Semana – Apresentação do trabalho em sala.
IMPORTANTE: Os grupos poderão ser premiados com um passeio!
Foi difícil para “tia” Glória conter a turma desesperada que ao mesmo tempo falavam entre si e com ela gritando perguntas, dúvidas e receios. Ela sabia o quanto estava inovando e o seus objetivos de terminar com algumas escaramuças entre colegas de sala e sabendo que tudo ainda piorava, sem dizer qualquer palavra para contê-los passou a simplesmente escrever no quadro os grupos de alunos.
Abaixo do nº do grupo ela escrevia a palavra “COR:”. Quando a turma percebeu foram retornando as suas carteiras para anotarem seus grupos e Glória sabia que o burburinho ainda iria piorar.
Quando o silêncio já dominava a sala com todos anotando o seu e os grupos rivais – ali tudo é disputa – ela pediu que já fossem decidindo quem iria escolher a cor do grupo e que apenas um aluno de cada grupo poderia apresentar sugestões e negociar sua cor com os demais grupos.
O burburinho voltou, mas esse era aceitável em volume, eles cochichavam entre si de forma que os outros grupos não os ouvissem e sem perceber foram repartindo a sala e, quando o último nome foi lançado no quadro, a sala já estava praticamente dividida em cinco bolinhos de seis pessoas. Os grupos formaram-se, começavam, apesar das diferenças a se integrarem e os alunos nem perceberam.
- Quem vai defender a cor do time de cada um de vocês?
A palavra time encaixou-se consolidando os grupos. Agora formavam um time, como o flamengo, o Vasco... Agora eram: time, torcida, grupos fechados, adversários!
Com raras exceções estavam já agrupados e achando divertido aquele confronto. Já discutiam todo o trabalho e Glória começou a disputa pela cor. Para facilitar ela escolheu 7 de 5 cores possíveis – professora intrometida, alguns pensaram: queriam usar cores exóticas ou de seus times – vermelho, azul, amarela, verde, laranja, rosa e roxo.
No quadro ela escreveu o nome dos alunos escolhidos para definir as cores e em pouco tempo, com as cores sacramentadas, ela encerrou a aula daquele dia deixando escolhidos aqueles alunos como líderes dos grupos. Eles seriam os únicos a se reportar diretamente com ela sobre dúvidas e demais assuntos de consenso do grupo.
Glória hoje, nostálgica, olha sua nova turma e avalia o sucesso daquela trabalhosa iniciativa. O seu trabalho com os alunos ficou mais fácil, eles passaram a se interessar mais por História do Brasil. Alguns de seus alunos escolheram esse ramo para sua profissionalização. A turma acabou por integrar-se totalmente no passeio à Quinta da Boa Vista onde, independente de notas, todos foram.
Mas o que mais marcou para ela, de forma muito carinhosa, é ver, já perto de se aposentar, em sua turma, os filhos de dois casais formados naquela aventura escolar.
Professor é professor e “tia” Glória, contendo as lágrimas, entende bem o por quê.



[1] Maria Tereza de Queiroz, responde no site www.lainsignia.org, que Fulano vem do árabe fulan(um certo indivíduo, uma determinada pessoa).Beltrano viria de Beltrão, sendo modificado para rimar com Fulano.Beltrão seria um nome muito usado nos romances de cavalaria para designar uma pessoa indeterminada.Cicrano(ou siclano)
Sicrano ou siclano não se sabe com certeza também.Talvez a desfiguração de algum nome próprio ou tenha vindo do idioma espanhol:zutano,citano, que quer dizer conhecido.
Maria Tereza de Queiroz Piacentini é catarinense, professora de Inglês e Português, revisora de textos e redatora de ... É autora dos livros Só Vírgula - Método fácil em 20 lições (UFSCar, 2. ed. 2003, 143 p.) e Só Palavras Compostas ... (citação de Aristides Coelho Neto)
Fonte(s):
www.lainsignia.org e http://books.google.com.

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com

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