quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Paixões Humanas

   A capacidade humana de se apaixonar me impressiona. Não que eu condene este sentimento, ele faz parte da natureza humana e as paixões são, em sua maioria, salutares, pelo menos em seu início.

   A paixão mais comum e talvez a primeira que experimentamos de fato é a que superlativa nossas relações amorosas. Em seu início, e enquanto sob o controle da racionalidade, ela nos leva a emanações de felicidade e prazer que envolvem o ser amado.

   O perigo das paixões está justamente quando ela se transforma em escravidão do ser apaixonado. Desaparecem seus melhores efeitos e, subjugados por ela, passamos a exigir do objeto de nossa paixão que espelhe o que imaginamos e não a realidade.

   Assim ofuscamos o que tem de belo em nossas relações amorosas passando a sufocar o ser amado. Mesmo nos demais campos onde as paixões se manifestam é mais ou menos a mesma coisa que vemos acontecer.


   Os torcedores de um time – ente abstrato dentro de nós e personificado por um símbolo, suas cores e a equipe que as defende – podemos nos tornar agressivos contra as pessoas que julgamos serem responsáveis por aquele time estar nos fazendo sofrer ao invés de nos proporcionar prazer e felicidade.

   Uma coisa é comum em toda paixão humana: a busca da felicidade. Seja ela por uma pessoa, por um time, por uma religião. Nós, os seres humanos, temos dificuldade de chamar para si a responsabilidade pela nossa felicidade.

   Assim podemos classificar como paixão nossos vícios. Quem usa entorpecentes e se apaixona pelo o que ele proporciona se transforma num apaixonado. Mesmo racionalmente acreditando que deve, para seu próprio bem, abandonar o vício, vai criando uma série de desculpas e subterfúgio para mantê-lo acesso e funcional.

   A pior parte das paixões reside justamente nesta esfera que afasta o racionalismo da personalidade humana. Deixamos de ver as coisas como são e passamos a vislumbrá-las como deveriam ser no modelo que concebemos, repleto de subjetividade no abstrato em que a paixão se transforma ofuscando o próprio objeto da paixão.

   Explicando melhor. Um viciado não vê um simples pó branco quando olha a trilha da cocaína a sua frente, ele vislumbra o mito que o alçara àquele primeiro prazer experimentado e em busca desse prazer que jamais se repetirá ele continua consumindo aquele pó branco como se fosse o afrodisíaco divino inenarrável.

   O ser humano tem a capacidade de sublimar o objeto de suas paixões e com isso o retira do mundo real criando, assim, a insatisfação naquilo que deveria satisfazê-lo. Esperamos sempre mais do ser amado, de nosso time, de nossos vícios.

   Acontece que o ser humano, também, não costuma reavaliar suas crenças. Depois que assimila um conceito – grande parte deles têm origem na adolescência – nem sempre é capaz de reexaminá-lo. Esquecemos que grande parte do que somos é a expressão do outro em nós como defendem algumas correntes filosóficas. Assim é que surgem os preconceitos. Somos, todos nós, de alguma forma, donos da verdade. É com base nestas verdades que enxergamos o mundo e discernimos entre o certo e o errado.

   Mas, o que é certo para mim, pode parecer errado a outrem e os limites de onde começa e termina minha liberdade e começa a liberdade alheia são tão tênues que é comum avançarmos muito além destas fronteiras, em especial quando fustigado pelas paixões.

   Disse isso tudo para trazer você até aqui. Antes das mais sérias decisões de sua vida dispa-se de seus preconceitos e tente recolorir o mundo a sua volta. Tente usar as cores que os outros usariam. Isto é, pense com a mente de quem o confronta. Pense no outro como se fosse você mesmo.

   Quem sabe assim a humanidade tenha uma oportunidade para se humanizar mais e melhor. Não decida nada com base apenas em seus preconceitos, ou melhor: pré-conceitos. Leve em consideração as crenças e paixões alheias. Tente ver com outros olhos.

   Coragem! Enfrente a si mesmo. Dispa-se antes de se olhar no espelho moral e tente ver a realidade que ele reflete. Não caia no lugar comum de enxergar melhor os erros alheios. Reflita, pondere e tente, realmente, se autoconhecer. Não para que o mundo se torne um lugar melhor, mas que você saiba caminhar e conquistar sua felicidade percebendo que ela não depende de mais ninguém que não apenas você.

   A felicidade, para ser conquistada, pode exigir renúncias, dores, abnegação. Como um alcoólatra será feliz antes de abandonar o álcool por quem é apaixonado? Devemos abandonar coisas e até pessoas no caminho em prol de nós mesmos. E, tenha certeza, a pessoa abandonada (coisa não tem sentimentos) também terá a chance de ser mais feliz.

   Cuidado apenas com o termo “abandonar pessoas”. Que ele não signifique para você romper relações. Falo da pessoa que você enxerga quando olha as pessoas que lhe importam. Vê-las de maneira diferente e abandonar aquela construção distorcida pelas suas paixões normalmente é o suficiente para um projeto de felicidade.

   Lembro que em determinado momento me vi com saudades da minha esposa e percebi que continuava vendo-a como a menininha de treze anos que conheci mesmo quando ela já passara dos vinte e dois anos e já era mãe. Reinventá-la em minha mente tentando fazer com que ela correspondesse o mais possível com a pessoa real que vivia ao meu lado pode ter sido a fórmula para com trinta e quatro anos de relacionamento cotidiano (depois de nove anos de namoro) jamais tenhamos sequer brigado.

“As paixões humanas não têm conta,
são tantas, tantas,
como as areias do mar,
e todas, as mais vis como as mais nobres,
começam por ser escravas do homem
para depois o tiranizarem.”
Nicolau Gogol

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