sábado, 3 de setembro de 2011

O Funk e minha paixão - ou - De periguete à peguete!


Assim que cheguei ao baile meus olhos cruzaram com o seu olhar, seu sorriso meigo e deu para perceber muitas amigas em volta. Estava vindo de um relacionamento conturbado de onde saí magoado e machucado. Meu ego e meu amor próprio estavam arranhados e todas as mulheres eram para mim iguais, e aquela na certa era só mais uma periguete.
O funk estava quente, o baile cheio de cachorras, as periguetes estavam babando gulosas e eu me estranhava, ninguém me apetecia, ninguém conseguia, mesmo se me agarrasse ou tentasse me beijar, mexer realmente comigo.
Será que eu ainda estava apaixonado? Não, aquela mulher eu não queria mais. Querer quem te faz sofrer é masoquismo, é não me amar.
Esbarro mais uma vez com o bando de periguetes. A menina fingiu não me ver, estava triste em meio a tantos risos, danças e alegrias. Quanto mais ela evitava olhar para mim, mais eu percebia seus olhares furtivos. Estava tão concentrado neste jogo que me assustei quando Alice me puxou para dançar com ela.
Em meio aquele batidão, aos gritos, ela conseguiu dizer que a Márcia, lá da escola, estava a fim de mim e que eu esnobara a menina deixando-a deslocada em pleno baile.
Claro que imediatamente quis saber quem era a Márcia. Alice me disse que pela primeira vez ela tomara coragem de ir a um baile funk e só foi por que ela garantira que eu estaria lá.
Animado, eu estava precisando de alguém assim, quis ser apresentado a “minha Marcinha” como eu, já entusiasmado com a idéia, a chamava.
Quando fiquei frente a frente com ela, a menina do sorriso meigo que rotulei de periguete (por conta de minha “ex”), experimentei sensações nunca imaginadas:
Meu sorriso foi um sorriso sem graça de pura vergonha;
Meu coração superava as batidas do pancadão a tal ponto que temia que ela percebesse;
A mão que estendi para cumprimentá-la estava úmida de suor;
Meu rosto arrepiou-se inteiro quando ela puxando minha mão conseguiu beijar minha face em um dos lados se contento, de frente a mim, temerosa de beijar o outro lado e ser rechaçada tal a minha inanição.
Com aquela boca tão perto da minha, com um pequeno e lindo sorriso provocando-lhe uma covinha no rosto – sorriso que esmaecia diante da minha hesitação. Com minhas pedras tremendo. Fui salvo por Alice que me tocando num leve empurrão as costas gritou bem alto:
- Beija logo! Agente já percebeu que você se apaixonou.
Nunca antes um beijo me realizara tanto, nunca um simples beijo havia despertado aquele prazer especial que me derretia por dentro e me levava a me entregar sem máscaras e sem reservas.
Eu havia encontrado a minha metade. Minha princesa fora desencantada! Naquele segundo descobri que estava amando!

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com

Ela tinha 14 anos e quase me matou!


Chegada a hora da terapia de grupo começar o grande engarrafamento da cidade, sob chuvas torrenciais, só permitira a chegada de três participantes.
O terapeuta consultou a todos e resolveram iniciar os trabalhos e foi proposta uma nova dinâmica para aquele dia: Escolha seu terapeuta!
A proposta era cada um dos participantes escolherem um dos outros dois e, como se ele fosse o terapeuta, apresentar seu problema de forma resumida, apresentando-se inicialmente. O terapeuta escolhido não se manifestaria, apenas ouviria calado!
Marcelo se aventurou a ser o primeiro e agitado, bastante inseguro com o formato proposto escolheu Afonso e iniciou sua exposição:
- Me chamo Marcelo, sou médico, cardiologista, tenho 40 anos, adoro e já perdoei meus pais.
- Aqui devo esclarecer que tenho uma mãe e dois pais. O de fato e o de direito. O de fato me criou desde os primeiros meses de vida. O de direito foi o meu pai biológico e só assumiu a paternidade depois que quase morri com uma inexplicável infecção aos 11 anos.
- Estou aqui porque minha mãe, sem qualquer preparo para lidar com assunto tão sério, me teve aos 14 anos.
- E não foi só isso. Meu pai, de 22 anos na época, sumiu do mapa assim que soube da gravidez. Covarde nem assumiu a paternidade nem avisou que não iria assumir, simplesmente desapareceu deixando minha mãe sozinha com uma triste realidade para quem tem pais severos e apenas 14 anos de idade. – Marcelo suava já que lembrar esses fatos sempre o abalava. Corajosamente continuou.
- Pelo que soube ela só tomou consciência da gravidez quando o atraso da menstruação estava maior do que 30 dias e as colegas orientaram a ela sobre essa possibilidade e compraram um teste de farmácia onde se confirmou minha presença em seu corpo.
- Ela imediatamente procurou meu pai, fizeram sexo mais uma vez – pela última vez - e ela só voltou a vê-lo quando ela já estava casada e eu estava com 3 anos de idade. A notícia o fez sumir de vez do bairro. Como ele morava longe e ia de ônibus encontrar com ela, minha mãe não sabia nem onde ele morava.
- Desesperada e abandonada pelo namorado, com medo imenso de contar a seus pais, aventurou-se a fazer de tudo para abortar aquele filho que queria nascer fora de hora.
Chorando ele continuava seu relato:
- Foram chás, pulos de diversas alturas, introdução vaginal de diversas porcarias e isso resultou, para ela, em um sério problema de saúde e ela acabou internada. Foi no hospital que meus avós tomaram ciência de minha existência.
- Minha avó apoiou sua filha imediatamente e isso provocou a separação do casal por mais de uma semana. Pelo que se sabe meu avô vivia enchendo a cara no centro da cidade e mendigando até que um padre ouviu sua história e o fez retornar à família arrependido e chorando pela primeira vez diante da esposa e filha.
- Minha mãe viu todos seus amigos e amigas se afastarem. Só duas colegas e um colega continuaram a visitá-la e a falar com ela normalmente. O resto fingia amizade, mas minha mãe percebia o preconceito contra sua gravidez em todos eles.
Marcelo já controlara o choro, mas as lágrimas insistiam em correr pela sua face. A voz estava entrecortada e ele perdia o fôlego, mas continuava.
- Mesmo com apoio de meus avós minha mãe não suportava aquele clima e o peso em torno dela e sua gravidez. Só podia sair de casa para ir à escola. Ainda assim continuou tentando abortar o filho indesejado – eu!
- Um dia na saída da escola conheceu uma mulher que se apresentou como minha avó. Ou melhor, como a mãe do meu pai. Deu um dinheiro e um endereço na mão dela e disse que ali ela conseguiria fazer um aborto garantido e seguro. Ninguém, até aquele momento, realmente me desejava, nem como filho, nem como neto. No dia seguinte eu ia virar um aborto, essa era a minha sentença.
- Minha mãe conta que colocou uma camiseta de malha por baixo da blusa da escola, uma saia na pasta e na casa do seu único colega recebeu apoio, trocou de roupa e ele lhe fez companhia.
- Ele me conta que seguiram ambos calados, abraçados, pegaram o ônibus, desceram em frente a uma casa mal conservada que precisava muito mais do que apenas uma pintura, e juntos e ainda abraçados entraram numa sala na penumbra.
- As janelas permaneciam fechadas e com cortinas e a fraca lâmpada iluminava apenas a mesa onde um homem grosseiramente atendia as pacientes dando-lhes um número, o preço e mandando aguardar a enfermeira a quem deveriam pagar antes de entrar.
- Foi naquele ambiente que meu pai de fato declarou seu amor a minha mãe, e, para meu regozijo, foi o primeiro a dizer que me desejava como se filho dele fosse e pediu que ela desistisse de tudo.
- Justo nesta hora surge uma senhora de uns 50 anos, com um jaleco branco manchado e mal lavado, um cigarro preso ao canto da boca e chama o número 5 – o de minha mãe.
- Conta, meu pai, que minha mãe levantou-se seguiu em direção aquela mulher procurando o dinheiro que minha avó paterna lhe dera e que ele conseguiu interromper-lhe os passos e roubou seu primeiro beijo.
- Ele diz que estava inseguro, nunca beijara ninguém, mas a urgência não lhe permitia hesitar.
- Acabado o beijo ele disse à mulher que minha mãe não iria fazer aborto nenhum e o homem da mesa levantou-se, enorme e gordo, e informou que não era assim não. Mesmo sem fazer o aborto, agora, ele teria que ser pago. Pegou meu pai e jogou, com facilidade, ele porta a fora.
- Sempre que ele conta isso chora como eu estou chorando. Ele diz que foram os mais longos e infernais minutos da vida dele. Ele renasceu quando minha mãe chorando se abraçou com ele e disse que pagou mas não fez, não teve coragem de fazer o aborto.
- Soube disso apenas aos 11 anos. Acredito que por isso me empenhei em ser médico, para salvar vidas. Em agradecimento ao meu pai adotivo e eternamente meu verdadeiro pai, que salvou a minha vida no último momento e sobrepujou preconceitos e todo o tipo de escárnio e manifestações agressivas dos que se diziam seus amigos, para assumir como seu, aos 15 anos, o filho de outro homem.
- Acho que é por isso que hoje estou aqui. Por hoje é só. Quero agora só ouvir e esquecer, mais uma vez, que quase fui um aborto e tudo que contei aqui. – disse Marcelo agora enxugando as lágrimas em um lenço e tentando rir mostrando desajeitadamente os dentes por trás do lábios trêmulos.

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com

Professor é professor!


Foi o maior alvoroço por toda sala, trabalho em grupo era sempre chato, mas comum. Agora a professora montar os grupos! Isso era demais! A ansiedade tomava conta de todos.
No burburinho o que mais se ouvia eram comentários de que com fulano, com beltrano ou, com sicrano[1] “eu não”... Raros eram os “eu quero você comigo”, “vai ser bom ficarmos juntos”, - imperava o negativo e suas causas, digam-se de passagem, todas medíocres.
Professor é professor e “tia” Glória, apaixonada por História do Brasil, queria mais do que fazer seus alunos se apaixonarem pelos fatos de nossa terra, queria ensiná-los a trabalhar em equipe quaisquer que fossem as circunstâncias.
O tema já fora escolhido: A Viagem de Cabral e ela dera um mês de prazo, mas queria todos os detalhes, desde o planejamento até a volta à Portugal.
Ela devia estar como diziam na época dela “com as cachorras” – hoje o significado seria diferente, pois o funk introduziu cachorra como um pejorativo inaceitável para as meninas que freqüentam seus bailes – já que além de determinar os grupos queria um resumo dos avanços dos grupos em relatório todas as sextas-feiras.
Os alunos quase enlouqueceram:
- Relatórios?!?!?!?!
A forma descompassada que eles fizeram uma mesma pergunta fazia lembrar um longo “super eco” repetido inúmeras vezes.
Paciente, como sempre, a professora passou a explicar, enquanto escrevia no quadro, como desejava o trabalho ainda antes de relacionar os 5 grupos de 6 pessoas cada.
1ª Semana: Relatório de planejamento com distribuição de tarefas
E explicou que o grupo de seis pessoas discutiria e decidiria quem iria fazer o que no trabalho.
Quem gosta de pesquisar livros e ir a biblioteca ficava com a pesquisa bibliográfica e faria as fichas dos livros que continham o assunto e suas recomendações;
Quem gosta de pesquisa virtual faria um levantamento na internet sobre o tema, debates e controvérsias existentes entre historiadores, imagens e ilustrações e faria ficha dos sites mais importantes e suas recomendações;
Quem gosta de apresentar e falar sobre o trabalho planejaria os métodos a serem utilizados para sua apresentação descrevendo-os em fichas com a metodologia e suas observações.
As três fichas deveriam ser entregues na primeira sexta-feira.
2ª Semana: Relatório contendo cópia e impressão de todo o tema já lido e pesquisado e a organização planejada para sua apresentação
3ª Semana: Entrega do trabalho semi-pronto para orientações e correções na forma mais simples possível. Cada grupo faria com a professora uma reunião de no máximo 10 minutos e já com a pauta de discussão definida.
4ª e 5ª Semana – Apresentação do trabalho em sala.
IMPORTANTE: Os grupos poderão ser premiados com um passeio!
Foi difícil para “tia” Glória conter a turma desesperada que ao mesmo tempo falavam entre si e com ela gritando perguntas, dúvidas e receios. Ela sabia o quanto estava inovando e o seus objetivos de terminar com algumas escaramuças entre colegas de sala e sabendo que tudo ainda piorava, sem dizer qualquer palavra para contê-los passou a simplesmente escrever no quadro os grupos de alunos.
Abaixo do nº do grupo ela escrevia a palavra “COR:”. Quando a turma percebeu foram retornando as suas carteiras para anotarem seus grupos e Glória sabia que o burburinho ainda iria piorar.
Quando o silêncio já dominava a sala com todos anotando o seu e os grupos rivais – ali tudo é disputa – ela pediu que já fossem decidindo quem iria escolher a cor do grupo e que apenas um aluno de cada grupo poderia apresentar sugestões e negociar sua cor com os demais grupos.
O burburinho voltou, mas esse era aceitável em volume, eles cochichavam entre si de forma que os outros grupos não os ouvissem e sem perceber foram repartindo a sala e, quando o último nome foi lançado no quadro, a sala já estava praticamente dividida em cinco bolinhos de seis pessoas. Os grupos formaram-se, começavam, apesar das diferenças a se integrarem e os alunos nem perceberam.
- Quem vai defender a cor do time de cada um de vocês?
A palavra time encaixou-se consolidando os grupos. Agora formavam um time, como o flamengo, o Vasco... Agora eram: time, torcida, grupos fechados, adversários!
Com raras exceções estavam já agrupados e achando divertido aquele confronto. Já discutiam todo o trabalho e Glória começou a disputa pela cor. Para facilitar ela escolheu 7 de 5 cores possíveis – professora intrometida, alguns pensaram: queriam usar cores exóticas ou de seus times – vermelho, azul, amarela, verde, laranja, rosa e roxo.
No quadro ela escreveu o nome dos alunos escolhidos para definir as cores e em pouco tempo, com as cores sacramentadas, ela encerrou a aula daquele dia deixando escolhidos aqueles alunos como líderes dos grupos. Eles seriam os únicos a se reportar diretamente com ela sobre dúvidas e demais assuntos de consenso do grupo.
Glória hoje, nostálgica, olha sua nova turma e avalia o sucesso daquela trabalhosa iniciativa. O seu trabalho com os alunos ficou mais fácil, eles passaram a se interessar mais por História do Brasil. Alguns de seus alunos escolheram esse ramo para sua profissionalização. A turma acabou por integrar-se totalmente no passeio à Quinta da Boa Vista onde, independente de notas, todos foram.
Mas o que mais marcou para ela, de forma muito carinhosa, é ver, já perto de se aposentar, em sua turma, os filhos de dois casais formados naquela aventura escolar.
Professor é professor e “tia” Glória, contendo as lágrimas, entende bem o por quê.



[1] Maria Tereza de Queiroz, responde no site www.lainsignia.org, que Fulano vem do árabe fulan(um certo indivíduo, uma determinada pessoa).Beltrano viria de Beltrão, sendo modificado para rimar com Fulano.Beltrão seria um nome muito usado nos romances de cavalaria para designar uma pessoa indeterminada.Cicrano(ou siclano)
Sicrano ou siclano não se sabe com certeza também.Talvez a desfiguração de algum nome próprio ou tenha vindo do idioma espanhol:zutano,citano, que quer dizer conhecido.
Maria Tereza de Queiroz Piacentini é catarinense, professora de Inglês e Português, revisora de textos e redatora de ... É autora dos livros Só Vírgula - Método fácil em 20 lições (UFSCar, 2. ed. 2003, 143 p.) e Só Palavras Compostas ... (citação de Aristides Coelho Neto)
Fonte(s):
www.lainsignia.org e http://books.google.com.

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com