sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Renascer


João – Capítulo 3
E havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus.
Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.
Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.

Somos sábios, cada um de nós. Por isso nos foi dado o livre arbítrio. Se temos o livre arbítrio é porque sabemos discernir o bem do mal, o bom do ruim, o certo do errado. Mas, se é assim, por que continuamos errando? Porque somos humanos, fracos, viciáveis, suscetíveis das mais diversas falhas. Mas sábios que somos criamos as religiões e nelas buscamos abrigo: uns para não mais errar, outros para poder crer que pecados são perdoáveis.
Sim, os pecados são perdoáveis como as dívidas também são. É só pagar a dívida ou não mais se endividar que mesmo na lei falha dos homens o “seu nome fica limpo”!
No mundo religioso ou pagamos pelos nossos erros ou mudamos nosso comportamento angariando méritos que terão o “poder” de deixar alguns de nossos erros impunes.
Seria isso o renascer?
Certamente que não. O Cristo ensina que renascer é um nascer diferente, todos nasceram da carne. Renascer é nascer do espírito. É uma escolha. Um compromisso pessoal. É fazer o racional sobrepujar o animal e provocar a reforma moral interior do homem fazendo dele um guerreiro atroz contra os “próprios” erros. Veja bem: Não é mudar o outro, corrigir o erro do outro, julgar o erro alheio. É muito mais difícil, é uma luta interior, é mudarmos a nós mesmos, julgarmo-nos, ver a trave em nossos próprios olhos.
Repetindo: Somos sábios, cada um de nós. Por isso nos foi dado o livre arbítrio. Assim criamos alguns inícios, na tentativa de mudar o fim que se apresenta como consequência de nossos atos.
Temos o início de cada dia, os inícios de semana, novos meses... E temos o que nos permite um planejamento de mais longo prazo: a passagem de cada ano.
Um ano termina e outro ano começa. É o melhor momento para avaliarmos tudo que fizemos de nossos instantes e seus resultados. O passado é só uma recordação e o futuro ainda não existe. O presente é o efêmero instante como os que agora estamos vivendo. É nestes instantes, no conjunto deles, que moldamos o resto dos nossos dias com base em nossas metas e no conhecimento adquirido nas experiências já vividas e na aprendizagem adquirida.
Podemos optar por aprender vivendo e sofrendo. Podemos optar por adquirir os conhecimentos alheios estudando-os – lendo o que foi escrito sobre um assunto, ouvido a experiência vivida por outrem. Tudo aquilo que aprendemos sem ter vivido ou comprovado – acreditando na vivência e experiências de outros seres – podemos chamar de estudo. O estudo tanto encurta o caminho da reforma moral como pode nos levar a errar com mais eficiência.
Um filme pode nos ensinar até a roubar bancos, um livro espírita pode revolucionar a forma de vermos o mundo e nossa existência.
É chegado, pois, um momento muito importante para todos nós. Novo ano se aproxima e é nos dada nova oportunidade de olhando para dentro de nós mesmos traçarmos compromissos pessoais e renascer. Com humildade podemos pedir apoio e ajuda a todos que nos amam inclusive ao Cristo e a nossos mentores.
Proponho que tracemos metas pessoais, afetivas, profissionais e morais. Não para o ano seguinte, isso é pouco! Metas para a vida! Ousada, utópica, revolucionária! E para alcança-las crie compromissos, ai sim, para 2012! E para os anos seguintes! Como uma escada longa a ser galgada degrau a degrau.
Escreva suas ousadas metas e sua meta atual: não esqueça: do imóvel, do carro, das férias sonhadas e do Cristo que nos espera de braços abertos e torcendo para você renascer!


Borges.RJ
Contador de Histórias
borges.rj@globo.com

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Caçadora ou Caça?


Véspera de feriado a noite sempre promete. Já não existe caça nem caçador, meninos e meninas são predadores a serem respeitados e “deglutidos” com a mesma ânsia, com o mesmo êxtase.
Foi com a predadora que existe em mim entrei na festa pronta para caçar. Estava sem namorado já há quase seis meses e resolvi que iria ficar e conquistar o mais lindo gato do pedaço.
E o universo parecia estar conspirando a meu favor. Tropecei e fui amparada por um gatinho aloirado, malhadinho, bronzeado, simplesmente lin-do!
Fiquei abraçada a ele, meu corpo se alojando naquele corpo delicioso e assim que recuperei meu equilíbrio total... Ele se afastou e perguntou se estava tudo bem.
Eu ri, tinha que rir, bom estava antes e resolvi contar a ele:
- Agora está muito pior, eu estava mais satisfeita abraçada em você.
Tive que encostar-me ao seu ouvido dele para que ele me escutasse. A música estava alta e serviu de pretexto para mais essa aproximação. Afinal eu o ouvira mesmo em distância normal.
A predadora estava agora uma autêntica tigresa, unhas a amostra, mas ronronando...
- Também gostei muito abraça-la, mas se minha namorada sair do banheiro e nos ver juntinhos assim acho que nós dois apanhamos. Haja ciúmes.
- Namorada? Você disse namorada? Não é ficante?
- Namorada mesmo, já estamos juntos a quase três meses.
- Porra! Desculpe! Mas eu nunca encontro um homem assim!
- Homem como?
- Lindo, charmoso, fofo e que assuma pelo menos um namoro... Você não prefere me namorar não. Posso até estar invejando sua namorada agora, mas não sou ciumenta, eu juro!
Ele sorriu, deu um adeus com a mão e foi se afastando. Percebi que estava indo em direção de uma coisinha sem graça, “aquilo” não podia ser a namorada dele... Mas era e se pendurou nele me deixando aguada!
Lembrei-me da história da predadora. Que predadora seria eu se ficasse com água na boca e desistisse da minha presa? Fazer o quê?
Fiquei secando a caça a distância para não assustar nem a presa nem sua caçadora. Ela o acompanhou ao banheiro, mas três colegas se juntaram a ela e se afastaram um pouco, foi minha deixa. Colei na porta daquele banheiro.
O gato saiu e dei o bote. Puxei o braço dele para que ele me notasse. Me agarrei ao seu pescoço com a desculpa de falar ao seu ouvido... (Que perfume delicioso... Mesmo saído do banheiro! Eu estava apaixonada)
- Posso roubar você da ciumenta? Ela não merece um namorado saboroso como você. Se eu te roubar nunca mais você vai querer outra menina – eu garanto.
Ele, rindo muito, me desafiou:
- Se você conseguir descolar ela de mim serei todo e exclusivamente seu, afinal você também é saborosa.
Não tive dúvida. Desafiada, o mandei voltar para ela que eu iria toma-lo na mão grande. Ele não acreditou e rindo se aproximou e abraçou-se a ela que já começou o interrogatório e nem notou minha aproximação.
Quase gritando consegui facilmente chamar a atenção dela. Dela, das colegas dela e de todos ao redor.
- Pode me explicar o que a senhorita esta fazendo pendurada no meu noivo?
- Noivo?
- Sim, noivo! E eu estou grávida e vamos nos casar mês que vem... Por que? Você tem alguma coisa contra?
Ela tentou falar, brigar, argumentar... Sei lá! Só sei que não saia nenhum som. A boca da menina estava trêmula. Os olhos cheios d’água.
Olhei para ele com um sorriso vitorioso. Ele balançou a cabeça com um “não acredito” estampado no olhar e ela despencou numa correria sendo acompanhada das amigas.
- Você não vai atrás da sua namorada, seu malvado. Ela saiu daqui chorando.
- Ela não é mais minha namorada. Ela tinha, de charme, acabado de desmanchar o namoro pensando que eu ia insistir em ficar com ela. Como eu posso correr atrás de quem não me quer mais?
E ainda rindo me puxou de encontro ao seu corpo, seu lábio buscaram o meu e eu estremeci de prazer já em nosso primeiro beijo. Esse estava caçado... Só não sei por quanto tempo, mas ele pelo menos terminou o primeiro beijo me pedindo para namorá-lo e eu respondi com um segundo beijo que me levou às raias da loucura! Fui caçada!


Borges.RJ
Contador de Histórias
borges.rj@globo.com

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Atrás das Grades


Estou preso! Minha vida é ficar aqui, atrás de grades, vendo o tempo passar por mim. E o que é pior, eu estou com medo.
Medo de bandidos, traficantes, assaltantes, motoqueiros, arma de brinquedo, batedor de carteiras e até de gangues infantis que gozam da proteção de um estatuto distorcido para elas.
Medo de soldados, peemes, policiais civis, rodoviários, bombeiros, carcereiros, milicianos, carros blindados ou caveirão como insistem em chamá-los, e até de ordenadores de trânsito ou mesmo equipe da Lei Seca.
Medo de ter minha casa roubada, ou pior, assaltada, medo de ter, pois tudo que se tem é alvo de bandidos. Medo de usar a internet, de ir ao banco ou à feira, fazer compras em Madureira e até de ir à praia.
Medo de denunciar, medo de ficar calado, medo de falar, de olhar, de apontar para uma rua, de pedir ou dar informação, de usar os trens, barcas, metrô ou ônibus. Medo também de andar de bicicleta ou patins ou taxi ou carro.
Até estou ficando com medo de assistir TV com seus noticiários macabros e recheados de notícias tenebrosas de acidentes, terremoto, maremoto, tsunami, vendaval, furacão, tornado, enchente, erupção, assassinato, bala perdida, violência, injustiças da justiça e sobre corrupção.
Tenho medo de pensar que presidente, senador, deputado federal estadual ou vereador, juiz, promotor, defensor, governador, prefeito, secretários federais, municipais ou estaduais, policiais, advogados, militares, dentistas, médicos, engenheiros possam ser corrompidos.
Medo de pensar nos meus filhos e nos meus pais neste mar de lama tendo que fazer parte do sistema para conviver com ele.
Medo do dono dos morros e dos morros sem donos, medo das grades invadidas ou de estar fora delas, medo de ficar na janela ou tomar banho de mar.
Medo de tocar meu violão na esquina, de passear com a menina que pode ser também rapaz, medo de ser rotulado de afro, skinhead, homossexual, nazista, terrorista, traficante ou coisa e tal.
Medo de ter carro novo e virar alvo, de ter carro velho e não poder escapar, de ter moto e levar tiro, de passar em Blitz e de não ver Blitz onde passo.
Estou com medo de ser moderno, contemporâneo, revoltado, revolucionário, retrógrado ou mesmo líder ou liderado, medo de ter ideal.
Medo de sair com os documentos e cartões e medo de estar sem eles diante de policiais ou ladrões.
Estou diante de um estranho paradoxo: diante de tanto medo por estar vivo meu maior medo passou a ser o de morrer, dá para entender?
Sei que não posso falar de problemas sem apontar soluções: precisamos da humanização dos homens, do cumprimento de suas palavras, de ética, moral, bons costumes.
Precisamos de respeito mútuo e oportunidades iguais para todos e o fim de uns serem mais iguais que os outros. Precisamos de uma elite participativa, patriótica e responsável. Precisamos de formadores de opiniões comprometidos com a evolução da sociedade e não de seus patrimônios. Precisamos do fim das imensas desigualdades sociais onde uns moram numa casa que cabe na metade da sala do outro.
Precisamos que as empresas permitam que seus empregados evoluam em patrimônio proporcionalmente ao enriquecimento que proporcionam aos investidores capitalistas. Precisamos que os mais abastados se privem de fazer caridades patriarcais e invistam no desenvolvimento intelectual dos que os cercam direta e indiretamente.
Precisamos de competência dos governantes e governados, de votos localizados, de prestação de contas de tudo que é público com transparência.
Precisamos inverter o sistema punitivo passando a punir exemplarmente os que são célebres e com complacência os que são socialmente desajustados, pois eles carregam uma culpa a qual não deram causa e que deu origem a muitas das fortunas dos que comandam as leis ou aos legisladores.
E, para finalizar, agora estou ainda com mais medo... Eu não deveria me manifestar!


Borges.RJ
Contador de Histórias
borges.rj@globo.com