sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Aprendendo a dizer não!


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"- Já disse que não, não insista!" 

 Os homens são tão tolos que têm dificuldade para dizer não. Todos sabem que esse procedimento agrada, e muito, aos que se julgam espertos. Enquanto titubeamos para negar as coisas, eles, os espertos, não pestanejam para alcançar vantagens sobre nós. Veja só:
 Carlinhos estava completando cinco aninhos e a festa reunira toda a família de Carlos e Beth. Era um sábado agradável e como era festa de criança começara as comemorações às 17h, mas só atingiu o auge às 18h e logo estariam partindo o bolo uma vez que às 19h os pais dos amiguinhos de Carlinhos viriam buscá-los.
 Para os adultos a festa ficou boa mesmo quando os convidados infantis e os parentes mais afastados se foram. Ficou o grupo habitual com exceção de Raul, primo de Beth, que morava no interior do estado. Mas ele era um dos mais divertidos convidados. Extrovertido e brincalhão tornara-se o centro das atenções com suas piadas e implicâncias humorísticas.
 Não sei vocês já perceberam, mas grande parte dos humoristas precisa de um "cristo". É isso mesmo, ela pega um dos participantes, coloca na berlinda e vai constrangendo-o enquanto arranca risos dos outros que, insensíveis, fingem não perceber o desconforto imposto ao eleito. Qualquer detalhe serve ao "humorista" para fazer rir sua platéia enquanto ressalta a gordura, magreza, feiúra, altura (ou falta dela) ou qualquer outro motivo ou defeito que o "eleito" para o "sacrifício" apresente.
 Raul era um destes humoristas e esticou a noite e a festa até a madrugada. Quando o penúltimo parente se foi, sem qualquer constrangimento, sentou-se ao lado de Beth e começou sua ladainha:
- Prima, estou desesperado. Fui demitido há 2 meses e até agora não consegui nenhum emprego. Em Cantagalo não existe qualquer oportunidade. Posso me hospedar aqui por uns dias para buscar um emprego aqui na capital?
 Beth ficou constrangida diante daquele pedido. Em imperceptíveis instantes conseguiu avaliar toda situação. A casa era pequena. Com a chegada do filho o único cômodo grande do imóvel de sala, quarto e cozinho fora sacrificado e um canto da sala fora transformado em quarto do filho deixando a sala mínima. O quintal era grande mas a casa era alugada e ela não podia fazer puxadinhos...
- Raul, vou ter que conversar com o Carlos e depois te dou uma resposta.
- Depois como? Eu nem tenho dinheiro para ir embora!
 Mais uma vez os pensamentos se agigantaram e aceleraram na cabeça de Beth. Estava diante de um sério impasse. A festa havia exigido gastos indesejáveis, mas indispensáveis. O orçamento estava tão quebrado que até o início do mês seguinte ia ser um transtorno econômico para Carlos conciliar os gastos de transporte e alimentação. Não ia ter coragem para conversar com o marido àquela hora e não tinha dinheiro para poder mandar, educadamente, o Raul embora. Acatou. Sentia-se usada, forçada a acatar aquela presença despropositada e fora de época, mas não via saída.
 Carlos, estupefato, viu Beth pegar travesseiro e lençol e disponibilizar para Raul no sofá da sala. Nada comentou, mas ela conhecia seus olhares melhor do que ninguém e sabia que teria problemas maiores ainda naquela madrugada.
 Todos estavam tomados pelo sono e pelo cansaço provocado pela festa e ela tentou fugir do marido tomando um banho demorado.
 Estava a 10 minutos no banho e o Raul entrou no banheiro e levantando a tampa começou a se utilizar do vaso sanitário sem ligar para sua presença dentro do box com vidro transparente.
 Beth morava numa casa simples, de um casal com filho ainda pequeno e o detalhe da porta não estar trancando não incomodava a ninguém. O vidro fumê para o box era quase o dobro do preço. E isso criou as condições para aquele inusitado fato.
 Não bastasse isso Raul, enquanto urinava com o short arriado até os joelhos, elogiava a conservação de seu corpo e a beleza que ele alcançara agora que ela era uma balzaquiana. Melhor do que na sua infância e juventude.
 Claro que aquele raro vozerio másculo em plena madrugada despertou o já irritado Carlos que a tudo escutando fez questão de, pela sua presença na porta do banheiro, registrar que estava presente e atento aos fatos que se desenrolavam em sua casa.
 Raul se lixou para o que ele pudesse estar pensando e balançando sua masculinidade no afã de retirar-lhe os pequenos pingos restantes começou a, desacanhadamente, conversar com Carlos.
- Primo, a Beth já te contou que vou ficar aqui por uns dias até conseguir um emprego? – e sem permitir se deixar interromper, se recompôs e foi saindo com grande naturalidade do banheiro e voltando para a sala enquanto matraqueava em plena madrugada:
– Em Cantagalo já tentei de tudo sem qualquer sucesso e por isso vim para a capital. Nesse enorme Rio de Janeiro emprego é o que não deve faltar, acho que consigo um muito bem remunerado ainda esta semana. - E prosseguiu sem qualquer constrangimento.
- Já amanhã começo a procurar um pelos jornais para na segunda-feira, se Deus quiser, estar já empregado!
- Me passa a toalha Carlos. – pediu Beth.
- Porque o acanhamento? O vidro é transparente e seu primo já mostrou conhecer bem e ter reparado detalhadamente seu corpo enquanto mijava. Eu vou é me deitar já que nem na sala vou poder dormir.
 De cara amarrada foi deitar e assim não viu que Raul voltou ao banheiro e enquanto Beth tentava esconder na toalha seu corpo já desvendado; ele ria e perguntava baixinho:
- Por que será que ele ficou tão irritado? Será que ele quer esse corpo maravilhoso só para ele?
 Raul não esperou respostas, rápido como entrara saiu do banheiro, rindo baixinho e se recolheu em seu sofá apagando a luz.
 Noite mal dormida, muita discussão e a decisão para que Beth se livrasse do primo ainda no domingo. Ambos concordaram e a ela – prima – cabia tal façanha.
 Pela manhã Raul, só de short, deixando a sala uma bagunça, entra na cozinha onde o casal toma seu café da manhã, com Beth recatadamente composta e pergunta, descaradamente ao Carlos:
- E ai primo? Dormiu bem? Já comprou os principais jornais? Tenho que ler os classificados para achar um bom emprego, mas não tenho sequer um centavo.
 O casal trocou olhares e a cumplicidade deles era tanta que apenas pelo olhar Carlos perguntava a Beth como seu primo iria embora, se ele é que tinha, além de comprar os jornais, ainda que pagar a passagem do intrometido.
 Acanhada Beth abaixou a cabeça. Enquanto Carlos se levantava e Raul ocupava seu lugar pedindo que ela colocasse seu café da manhã. Era abuso demais e Carlos estava cada vez mais irritado.
 Assim que Carlos fechou a porta do quarto atrás de si Raul levantou-se cautelosamente e sem qualquer ruído abraçou sua prima por trás beijando-lhe o pescoço. Quando ela se volta para contestar aqueles atos ele tenta roubar-lhe um beijo na boca e Carlinhos, da porta da cozinha, a tudo assiste e assusta aos dois com sua pergunta:
- Tio, você também namora a minha mãe?
 Desconcertado o “tio” ainda tenta fazer piada com o pijama de bichinhos do sobrinho.
- Esse bichinhos vão morder você à noite e...
- SAIA AGORA! – Interrompeu Beth.
 O olhar espantado de Raul se transformou em um olhar de coitadinho, de arrependido e de pidão irresistível. (Que olhar é esse? É o famoso olhar do "gato de botas", no filme Shrek).
 Breve silêncio e um grito ainda mais alto:
- AGORA!
 Carlos, que estava em seu quarto deixando a “prima” resolver com Raul resolveu intervir em apoio à esposa e saiu do quarto calado; e calado foi até a cozinha forçando sua passagem deslocando Raul que estava no meio do seu caminho.
 Raul agora, vendo desmoronar já consolidada sua posição de coitadinho, apela às lágrimas e aos resmungos sobre as infelicidades de toda sua vida.
 Beth já estava solidarizando-se com Raul, mas Carlos estava decidido.
- Que parte o “saia agora” você não entendeu?
 Do choro comovente à revolta foi um instante apenas.
- Vocês vão jogar-me na rua sabendo que não tenho um centavo sequer?
- Essa deveria ter sido sua primeira preocupação, antes mesmo de vir para uma festa. Antes de decidir por nós que iríamos ajudá-lo incondicionalmente. Você poderia nos ter consultado com um simples telefonema.
- Vocês diriam que não, seria um rotundo NÃO! Vocês sempre foram muito mesquinhos e egoístas.
Carlos não pretendia cair na armadilha de Raul e ficar discutindo o que já estava decidido.
- Se você não entendeu posso explicar de muitas formas o “saia daqui agora”, e você não gostaria de nenhuma.
Raul estava perdido. Resolveu ir embora, mas não queria sair por baixo. Arrumou-se rapidamente e antes de sair declarou taxativamente, já na porta:
- Vocês acham mesmo que eu sou um idiota? Que iria confiar em vocês? Guardei no meu sapato R$ 500,00 para caso vocês fossem ingratos com a família...
- Saia agora, não vou repetir, vou agir.
Surpreso com a interrupção inesperada Raul saiu gritando impropérios tentando atrair, com acusações diversas, a atenção de toda vizinhança, mas correu assim que em uma atitude decidida Celso saiu para a calçada.

Conclusões ficam com você, leitor...

Mas não pense que poderia ser diferente com você. O esperto, o abusado, está em toda a família e sempre é “o coitadinho”!

Borges C.
(Toca de Lobo)
Contador de Histórias

borges.rj@outlook.com

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