(Insólita
= Anormal; incomum; extraordinária – DICIONÁRIO AURÉLIO)
Foi
tudo tão estranho e começou com o inusitado convite de minha esposa para vermos
televisão, no quarto, no fim de uma tarde, em pleno dia da semana. Estávamos
conversando e na programação que ele escolhera começou uma canção gospel e ela
acompanhou o canto com uma voz deliciosa que foi envolvendo minha mente e
relaxando meu corpo.
Me
dei conta que eram seis horas da tarde, a hora da Ave Maria, de tantas outras
orações e do terço e esse era o programa que iríamos assistir. Quase resisti,
mas resolvi deixar-me levar naquela sedutora sensação de bem-estar e leveza.
Impossível
precisar se estava navegando, flutuando ou voando mas sentia meu corpo no
espaço e comecei a presenciar um lindo espetáculo de luzes coloridas envoltas
em nuvens, digamos, resplandecentes.
O
quadro é inenarrável, inexplicável, intraduzível, mas vou esforçar-me, abusando
dos figurativos, para expressar o melhor possível os vislumbres e sensações
arrebatadoras.
Réveillon
na praia de Copacabana, meia-noite, tente rever esse quadro! Agora multiplique
por mil as luzes coloridas dos fogos e empreste realces, reflexos e um artístico
cintilar com todos seus brilhos faiscantes tremeluzindo nas nuvens de fumaça.
Tente perceber o perfume desta nuvem. Não, não é o odor da pólvora. É de uma fragrância
arrebatadora e suave que nos faz sorrir.
Eu,
do alto, entre horizontes a toda volta, percebo este pulsante espetáculo
provocado por milhões de vozes defasadas no tempo e harmonizadas no infinito,
rogando a Ave-Maria! Sustentando o espetáculo e formando um coral de vozes
sublimes complementando uma orquestra invisível de milhares instrumentos
distintos e conjugados surgem os efeitos do terço que prolonga as ondas
repletas de amor misericordioso e pleno que se agitam nos fusos horários onde
tantas outras milhões de vozes simplesmente erguem ao espaço uma única e
simples exaltação à Maria, mãe de Jesus que surge alto, muito alto, enorme e resplandecente
agradecendo a homenagem à mulher que lhe concebeu.
A
simples frase “Ave Maria!” ecoando na atmosfera terrestre aumenta a energia das
luzes e seus efeitos se espalham certamente por todo o globo na medida que o
sol vai se pondo em cada um dos recantos do planeta e os fiéis se renovando
nesta eterna homenagem na curva espaço-tempo forjada por nosso planeta.
Mas
só quando minha face se volta e consegue contemplar essa mulher homenageada ao
longo do tempo e que percebo porque apesar da humanidade, com todas as suas
falhas, defeitos e erros conseguimos nos sustentar em meio a fragilidade da
vida neste íngreme universo. A chance de existirmos, lembrando de todas as
forças da natureza e de todos os cataclismos universais, são menos que mínimas
conforme todos os cientistas vivem a confirmar. Mas eles, em sua grande
maioria, nunca tiveram a oportunidade mais que maravilhosa que experimentei de
ouvir, ver e sentir os efeitos dos terços e das Ave-Marias recitadas pelos
humanos entre tantas outras preces e orações.
Me
pergunto, agora que vi que o paraíso existe e é aqui, na face da Terra: O que
seria de nós se assim não fosse?
Ave
Maria!
Borges.RJ
Contador de Histórias
borges.rj@globo.com
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