A capacidade humana de se apaixonar me impressiona. Não que eu
condene este sentimento, ele faz parte da natureza humana e as paixões são, em
sua maioria, salutares, pelo menos em seu início.
A paixão mais comum e talvez a primeira que experimentamos de
fato é a que superlativa nossas relações amorosas. Em seu início, e enquanto
sob o controle da racionalidade, ela nos leva a emanações de felicidade e
prazer que envolvem o ser amado.
O perigo das paixões está justamente quando ela se transforma em
escravidão do ser apaixonado. Desaparecem seus melhores efeitos e, subjugados
por ela, passamos a exigir do objeto de nossa paixão que espelhe o que
imaginamos e não a realidade.
Assim ofuscamos o que tem de belo em nossas relações amorosas
passando a sufocar o ser amado. Mesmo nos demais campos onde as paixões se
manifestam é mais ou menos a mesma coisa que vemos acontecer.
Os torcedores de um time – ente abstrato dentro de nós e
personificado por um símbolo, suas cores e a equipe que as defende – podemos nos
tornar agressivos contra as pessoas que julgamos serem responsáveis por aquele
time estar nos fazendo sofrer ao invés de nos proporcionar prazer e felicidade.
Uma coisa é comum em toda paixão humana: a busca da felicidade.
Seja ela por uma pessoa, por um time, por uma religião. Nós, os seres humanos,
temos dificuldade de chamar para si a responsabilidade pela nossa felicidade.
Assim podemos classificar como paixão nossos vícios. Quem usa
entorpecentes e se apaixona pelo o que ele proporciona se transforma num
apaixonado. Mesmo racionalmente acreditando que deve, para seu próprio bem,
abandonar o vício, vai criando uma série de desculpas e subterfúgio para
mantê-lo acesso e funcional.
A pior parte das paixões reside justamente nesta esfera que
afasta o racionalismo da personalidade humana. Deixamos de ver as coisas como
são e passamos a vislumbrá-las como deveriam ser no modelo que concebemos,
repleto de subjetividade no abstrato em que a paixão se transforma ofuscando o
próprio objeto da paixão.
Explicando melhor. Um viciado não vê um simples pó branco quando
olha a trilha da cocaína a sua frente, ele vislumbra o mito que o alçara àquele
primeiro prazer experimentado e em busca desse prazer que jamais se repetirá
ele continua consumindo aquele pó branco como se fosse o afrodisíaco divino
inenarrável.
O ser humano tem a capacidade de sublimar o objeto de suas
paixões e com isso o retira do mundo real criando, assim, a insatisfação
naquilo que deveria satisfazê-lo. Esperamos sempre mais do ser amado, de nosso
time, de nossos vícios.
Acontece que o ser humano, também, não costuma reavaliar suas
crenças. Depois que assimila um conceito – grande parte deles têm origem na
adolescência – nem sempre é capaz de reexaminá-lo. Esquecemos que grande parte
do que somos é a expressão do outro em nós como defendem algumas correntes
filosóficas. Assim é que surgem os preconceitos. Somos, todos nós, de alguma
forma, donos da verdade. É com base nestas verdades que enxergamos o mundo e
discernimos entre o certo e o errado.
Mas, o que é certo para mim, pode parecer errado a outrem e os
limites de onde começa e termina minha liberdade e começa a liberdade alheia
são tão tênues que é comum avançarmos muito além destas fronteiras, em especial
quando fustigado pelas paixões.
Disse isso tudo para trazer você até aqui. Antes das mais sérias
decisões de sua vida dispa-se de seus preconceitos e tente recolorir o mundo a
sua volta. Tente usar as cores que os outros usariam. Isto é, pense com a mente
de quem o confronta. Pense no outro como se fosse você mesmo.
Quem sabe assim a humanidade tenha uma oportunidade para se
humanizar mais e melhor. Não decida nada com base apenas em seus preconceitos,
ou melhor: pré-conceitos. Leve em consideração as crenças e paixões alheias.
Tente ver com outros olhos.
Coragem! Enfrente a si mesmo. Dispa-se antes de se olhar no
espelho moral e tente ver a realidade que ele reflete. Não caia no lugar comum
de enxergar melhor os erros alheios. Reflita, pondere e tente, realmente, se autoconhecer.
Não para que o mundo se torne um lugar melhor, mas que você saiba caminhar e
conquistar sua felicidade percebendo que ela não depende de mais ninguém que
não apenas você.
A felicidade, para ser conquistada, pode exigir renúncias,
dores, abnegação. Como um alcoólatra será feliz antes de abandonar o álcool por
quem é apaixonado? Devemos abandonar coisas e até pessoas no caminho em prol de
nós mesmos. E, tenha certeza, a pessoa abandonada (coisa não tem sentimentos)
também terá a chance de ser mais feliz.
Cuidado apenas com o termo “abandonar pessoas”. Que ele não
signifique para você romper relações. Falo da pessoa que você enxerga quando
olha as pessoas que lhe importam. Vê-las de maneira diferente e abandonar aquela
construção distorcida pelas suas paixões normalmente é o suficiente para um
projeto de felicidade.
Lembro que em determinado momento me vi com saudades da minha
esposa e percebi que continuava vendo-a como a menininha de treze anos que
conheci mesmo quando ela já passara dos vinte e dois anos e já era mãe.
Reinventá-la em minha mente tentando fazer com que ela correspondesse o mais
possível com a pessoa real que vivia ao meu lado pode ter sido a fórmula para
com trinta e quatro anos de relacionamento cotidiano (depois de nove anos de namoro)
jamais tenhamos sequer brigado.
“As paixões humanas não têm conta,
são tantas, tantas,
são tantas, tantas,
como as areias do mar,
e todas, as mais vis como as mais nobres,
e todas, as mais vis como as mais nobres,
começam por ser escravas do homem
para depois o tiranizarem.”
para depois o tiranizarem.”
Nicolau
Gogol
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